Moto cresce como opção perigosa para quem teve mobilidade negada

Foto: Agência Brasil
País – Em março de 2024, uma empregada doméstica sofreu um grave acidente no Rio de Janeiro ao utilizar transporte por moto via aplicativo. O veículo foi atingido por um carro que mudou de faixa sem sinalização, causando múltiplas fraturas e lesões nervosas. A vítima permanece em acompanhamento no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), com limitações motoras e afastada do trabalho.
O caso evidencia os riscos do crescente uso de motocicletas como alternativa ao transporte público ineficiente. Para Victor Pavarino, oficial técnico da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, esse crescimento reflete a negligência do direito à mobilidade segura, obrigando a população a recorrer a meios mais rápidos, porém perigosos.
“O que está acontecendo é uma consequência, mas também um indicador dos problemas desse sistema de mobilidade centrado e feito à imagem e semelhança de sua majestade, o automóvel. Foi pensado desde os anos 1950 dessa forma e está entrando em colapso”, critica o especialista.
Doutor em transportes pela Universidade de Brasília, Pavarino descreve que, em cidades construídas para carros particulares e com modais de transporte coletivo com abrangência ou qualidade insuficiente, a moto ganha cada vez mais espaço entre as opções de deslocamento.
Famílias de baixa renda têm recorrido à motocicleta como alternativa de mobilidade e fonte de renda, principalmente em atividades informais como entrega e mototáxi por aplicativos. Esses trabalhadores enfrentam jornadas exaustivas, sem vínculo formal ou proteção social.
“Toda a questão do trânsito, por qualquer modal, tem uma ligação direta com as questões sociais e econômicas. Mas, no caso da moto, essa relação é gritante. De certa forma, joga na nossa cara a implicação social, econômica e trabalhista que tem a questão do transporte.”
A frota de motocicletas no Brasil segue em crescimento. Dados da Abraciclo indicam aumento de 42% entre 2015 e 2024, com 35 milhões de unidades. Em junho de 2025, segundo a Senatran, havia 29 milhões de motocicletas em circulação no país, quase 6 milhões a mais que em 2020.
“De certa forma, o que está ocorrendo com a moto é que um imenso segmento da população, não só do Brasil, está recorrendo a uma possibilidade de mobilidade que lhes foi negada durante décadas”, explica o especialista da Opas Victor Pavarino. “É difícil a gente falar que não se pode ou não se deve usar motos, enquanto, em muitos casos, como em favelas, ela é a única forma que boa parte da população tem para chegar até sua casa e como ganha-pão.”
Ele defende medidas estruturais, como tarifa zero, cidades mais acessíveis para pedestres e ciclistas e fortalecimento do transporte público, para conter o avanço das motos.
“A moto tem, sim, seus problemas. É um veículo que é intrinsecamente mais vulnerável que os demais (…). Mas a questão que a gente está vendo da sinistralidade com moto não é uma questão simplesmente de trânsito. É uma questão social, econômica e de trabalho, envolvendo tantas outras coisas, e que eclode no trânsito.”
Na abertura da Conferência Nacional de Segurança no Trânsito, em Brasília, o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, destacou que os principais problemas envolvendo motos ocorrem em cidades médias com rápido crescimento e falta de investimentos em transporte coletivo. Em seis estados do Norte e Nordeste — Piauí, Pará, Maranhão, Rondônia, Acre e Ceará — as motocicletas já representam mais da metade da frota de veículos.
“A gente não pode tratar esse tema como se fosse de mera escolha individual. O cidadão escolhe a motocicleta porque não deram a ele uma alternativa segura. Não há bala de prata para essa questão, mas, se houvesse, seria o transporte coletivo de qualidade.”
Veículo mais letal
O aumento da frota de motocicletas no Brasil tem ampliado o acesso à locomoção e trabalho, mas também está ligado ao crescimento das mortes no trânsito. Segundo o Atlas da Violência 2025, motociclistas são atualmente as maiores vítimas de sinistros viários. O número total de mortes no trânsito subiu de 31.945 em 2019 para 34.881 em 2023, sendo 13.477 delas envolvendo motos. Isso significa que uma em cada três vítimas fatais estava em uma motocicleta. Apesar de representarem apenas 22,5% da frota, esses veículos responderam por 38,6% das mortes em 2023. Nos estados onde as motos superam os carros, como o Piauí, elas estão envolvidas em até 70% das fatalidades.
Respostas imediatas
Para reduzir os danos causados pelo uso crescente de motocicletas no Brasil, medidas de curto prazo são fundamentais. A fiscalização do cumprimento das normas de segurança, como o uso adequado de capacetes, vestimentas apropriadas, freios ABS e manutenção em dia, pode ajudar a diminuir os sinistros. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) também recomenda ações como a obrigatoriedade de luzes de circulação diurna, roupas refletoras, inspeções regulares nos veículos, pavimentação de qualidade e redução dos limites de velocidade nas cidades. Além disso, o transporte de passageiros por motociclistas de aplicativo demanda regulamentação específica, que leve em conta não só as regras de trânsito, mas também as condições de trabalho e saúde dos condutores, que enfrentam longas jornadas e maior vulnerabilidade. O comportamento do passageiro também interfere na condução da moto, especialmente em curvas, o que exige atenção redobrada.
Epidemia
O aumento do uso de motocicletas no Brasil também reflete diretamente no volume de atendimentos em emergências do SUS. Colisões, quedas e atropelamentos envolvendo motos têm pressionado o sistema de saúde. De acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, entre 70% e 75% das UTIs adultas nos hospitais gerais estão ocupadas por vítimas de acidentes de trânsito, sendo a maioria motociclistas. O ministro defendeu parcerias com empresas de aplicativo para prevenir infrações como o excesso de velocidade e destacou estudos para reduzir os custos da emissão da CNH, já que metade dos donos de motos não possui habilitação. Ele alertou que, além do impacto na vida dos acidentados, essa sobrecarga compromete outros atendimentos, como cirurgias oncológicas e cardiológicas, que acabam canceladas por falta de leitos e recursos. Com informações da Agência Brasil.
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Lívia Nascimento
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