Até onde e (quando) vai a empatia do Setembro Amarelo?

No Brasil, em 2019, morreram em média 38 pessoas por dia por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). (Foto: Divulgação)

Sul Fluminense – Tremores nas mãos, cansaço extremo, coração acelerado e a sensação de se sentir invisível ou exposto à sociedade são alguns dos sintomas mais comuns entre quem convive com distúrbios e transtornos mentais. Essas pessoas, muitas vezes subjugadas e isoladas, acabam ganhando um protagonismo peculiar em uma época específica do ano: setembro, quando a saúde mental entra temporariamente em destaque na agenda pública.

Com o mês preenchido com ações do ‘Setembro Amarelo’, campanha de conscientização sobre saúde mental e prevenção ao suicídio instituída pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a população fica mais exposta a informações relevantes sobre o tema. Um dos objetivos principais é quebrar estigmas relacionados ao equilíbrio psicológico, incentivando o diálogo aberto e a busca por ajuda.

Entretanto, mesmo diante dessas iniciativas coletivas, grande parte da população brasileira ainda vê questões relacionadas ao equilíbrio psicológico como um problema individual, demonstrando pouco ou nenhum comprometimento com a causa, quase como se dissesse: “não é meu problema”. Essa visão pode contribuir para a perpetuação de estigmas. Por isso, o DIÁRIO DO VALE ouviu, sob condição de anonimato, algumas pessoas que convivem diariamente com o peso da própria doença e também do preconceito.

 

A controvérsia no “discurso do amor”

O bem-estar emocional não se limita aos sentimentos experimentados individualmente por alguém. Ao contrário, depende diretamente de fatores econômicos, ambientais e sociais, como defende o Ministério da Saúde. Ou seja, a forma como a sociedade se comporta e enxerga pessoas com condições psíquicas interfere tanto na melhora quanto na piora do quadro dessas pessoas.

Embora pareça que as pessoas estejam de “peito e coração aberto” para entender melhor quem convive com distúrbios psicológicos, principalmente devido às ações realizadas durante o mês de setembro, essa percepção pode ser questionada. Um exemplo disso é como o Centro de Assistência Psicossocial (Caps) virou motivo de chacota nas redes sociais.

Ao pesquisar “Caps” em plataformas como o TikTok, encontramos mais vídeos desmoralizando o órgão público, com frases como “fugiu do Caps” ou “paciente mais fraco do Caps”. Muitas vezes, esses conteúdos retratam situações de pessoas agindo de forma não convencional, sem que sejam necessariamente pacientes, e acabam por estigmatizar os indivíduos como “loucos” ou “malucos”.

Pouco se vê, em contrapartida, o que realmente é o Caps e seus benefícios, como a reabilitação psicossocial, a reinserção social e familiar, a autonomia, e o acesso ao lazer e trabalho, tudo oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Mas esse comportamento não se restringe apenas ao ambiente online; ele também acontece no “mundo real”. Rafaela Fernandes, de 27 anos, de Barra do Piraí, é diagnosticada com bipolaridade e afirma que é difícil lidar com o fato de seu quadro ser, muitas vezes, banalizado por pessoas que acham que tudo não passa de uma “mudança de humor”. Ela, que já foi alvo de comentários difamatórios, precisa enfrentar essa situação constantemente.

“O maior preconceito que vivo e sempre vivi é ser taxada como louca, as pessoas dizem isso para qualquer outro que sofre de transtorno psicológico”, afirma.

A moça ainda crê que a empatia seria um ponto inicial para a mudança de comportamento social. “As campanhas que de fato fariam diferença, e precisam ser urgentemente intensificadas, deveriam ser de conscientização. A partir do momento em que se entende a dor do outro, é mais fácil ter empatia”, disse ela ao ser questionada sobre as ações do ‘Setembro Amarelo’.

Ainda sobre a campanha, Helena de Miranda, de 38 anos, de Volta Redonda, com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e Transtorno Afetivo Bipolar tipo 2 (TAB), falou sobre a durabilidade dos impactos das iniciativas, já que a campanha só acontece durante um mês do ano.

“Os efeitos são passageiros. É hype, figurinha e meme. Basta você olhar o público de atendimento psicossocial. Os atendimentos psicológicos são feitos de qualquer maneira, os pacientes não são devidamente orientados e, sobretudo, não há escuta; e a escuta, o acolhimento, são fundamentais para o tratamento. Creio que pessoas com depressão ou outros transtornos prefiram mil vezes receber atendimento médico digno do que uma fitinha amarela com um bombom e uma frase de efeito”.

Ela ainda completou dizendo que a população não busca compreender, o que atrapalha o bem-estar de indivíduos com questões psíquicas. “[A sociedade] não entende, não ajuda e não se interessa em ajudar. Mesmo que se mostrem aliadas à causa, geralmente durante o ‘Setembro Amarelo’, passam o resto do ano julgando, excluindo, falando mal e até deixando de conviver. É preciso entender que o convívio com algumas pessoas pode ser difícil, mas isso não justifica tratar mal e isolar socialmente. Isso só agrava o quadro de quem sofre com transtornos emocionais”, afirmou ela.

As ações da campanha do nono mês do ano tradicionalmente abordam questões como depressão, transtorno de personalidade borderline, bipolaridade e ansiedade. No entanto, outros distúrbios psicológicos, que muitas vezes agravam as situações já destacadas na campanha, recebem pouca ênfase.

É o caso dos transtornos alimentares. Distúrbios como anorexia, bulimia e transtorno de compulsão alimentar estão associados a sofrimento emocional intenso e podem aumentar o risco de suicídio.

Embora sejam menos discutidos, esses transtornos merecem atenção, pois, de acordo com a OMS, cerca de 70 milhões de pessoas no mundo apresentam algum distúrbio alimentar que afeta a saúde mental e física.

Uma dessas pessoas é Carla Silva, de 20 anos, de Barra Mansa, que tem transtorno compulsivo alimentar e que tem lutado para se manter estabilizada. Ela, apesar de achar a campanha importante, acredita que ainda há tópicos para serem debatidos.

“Acho que falta um direcionamento maior desta campanha para transtornos alimentares. Eu acho estranho porque é um transtorno conhecido e tem várias formas, mas não vejo muito o debate sendo levantado sobre isso. Acho que outros tipos de questões psicológicas recebem muito mais atenção”.

A jovem falou sobre como as ações, muitas vezes não pensadas, de outras pessoas, na vida e na internet, engatilham os distúrbios.

“Eu vejo muitas postagens falando sobre densidade calórica, comparando, por exemplo, uma barra de chocolate com um copo de suco de laranja ou um sanduíche, como se comer fruta fosse ingerir muitas calorias. Mas eu acho que esse não deveria ser o foco da discussão sobre alimentação, isso precisa ser algo individualizado, discutido com nutricionista, e não em discursos gerais na internet”.

Carla confidenciou a difícil realidade que muitas pessoas enfrentam com questões psicológicas: a vergonha ao se expor. Essa vergonha não surge por acaso, mas é reforçada pelos estigmas que a sociedade pode impor, funcionando como uma opressão silenciosa que vai além do que é dito. O silêncio também comunica.

O ato de escolher o anonimato, como fizeram as três mulheres entrevistadas para esta reportagem, que pediram para usar nomes fictícios para proteger suas identidades, evidencia o impacto que a ocorrência de alguns pode causar.

“Esse silêncio revela que a sociedade ainda não aprendeu a lidar com a dor humana de maneira aberta e compassiva. Muitas pessoas permanecem caladas por medo de julgamento, de estigma ou por acreditar que seu sofrimento não será compreendido. Essa realidade nos convoca a transformar nossas relações cotidianas: ouvir mais, julgar menos e oferecer apoio genuíno. Uma sociedade que escuta é uma sociedade que salva vidas”, disse o psicólogo Élcio França, que acredita que a maneira como um indivíduo age também é um reflexo do comportamento da sociedade.

 

Quando o suicídio mata mais que guerras

Apesar dos esforços da campanha, os números continuam desafiando qualquer otimismo. No Brasil, em 2019, morreram em média 38 pessoas por dia por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Enquanto globalmente se observa uma redução nos índices, nas Américas, incluindo o Brasil, os casos seguem uma trajetória crescente ano após ano, confirma a OMS.

Não muito distante de 2025, uma constatação preocupava ainda mais: também em 2019, mais pessoas morriam por suicídio do que por causas relacionadas a guerras, aponta o relatório da OMS. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é a quarta causa de morte, atrás de acidentes, tuberculose e violência interpessoal. Entre 2016 e 2021, a mortalidade aumentou 49,3% para adolescentes de 15 a 19 anos e 45% para aqueles de 10 a 14 anos. No Brasil, morrem 12,6 homens e 5,4 mulheres para cada 100 mil habitantes.

Agatha Amorim

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